
colha minúsculos pedaços de algo que doa quando as fechaduras trincam e do outro lado da porta trinca também um pouquinho tudo o que ficou nas gavetas do coração debulhado e acalme-se depois de gritar por quinze minutos é só poesia bruta a tristeza do estômago que rumina lágrimas toda tarde é feita de angústia e amarelo-veludo-outono tudo tão vital e misturado que para fabricar choro meus olhos parecem emprestados e colocados na minha cara por um adesivo feito com asa de canário
estou esticada até o ultimo ponto possível e tentando afinar as minhas veias como se fossem acordes saídos da caixa do meu peito de imbuia seca soando uma melodia seca como estão secos todos os rios do país... estou natural então
o que você é no inverno?
o que você é em dia de racionamento?
a lua muda de fase a semana que vem, você sabia?
se não sabe nada sobre isso, o que importa o que você sabe?
não não há desespero há um sentimento profundo e espesso que entope a passagem dos dias mas que também me serve como densidade num mundo tão previsível um mundo onde faltará água daqui uns anos não pode ter muita coisa interessante mesmo então nos voltemos à cama aos poemas aos filhotes ao pôr-do-sol à comida boa e aos vinhos
não não sou boêmia ou sou do meu jeito como sou do meu jeito dona de casa poeta pesquisadora e amante convicta mas tenho um apreço formidável por qualquer coisa que se mova como as cobras o têm como os raios do sol nas plantinhas com fome matinal o têm por isso meus passos levam-me quase como que flutuando ao coração quente da vida quente e bêbado
sim é tudo claro e explícito como o nascimento não há armadilhas nem jogos só um tanto necessário de sedução e violência sentimental me desculpe os transtornos mas de verdade eu estou só passando ou tentando manter uma relação sem ambiguidades ou ambivalência e não existe nada por trás disso a não ser isso nudez crueza fluídos dentes e carinhos fincados
é bom você não se assustar com a falta de pele das coisas por aqui estamos todos muito ralados e sangrando estamos feios e deselegantes no entanto monstruosamente vivos
Nenhum comentário:
Postar um comentário
molhem o orquídea...