nada é tão perfurante como ser abandonado
é uma ferida no tom da voz, na fala
é um hematoma no pulsar do coração, como uma batida na quina da alma
é diário, é pontual, é cortado
o abandono pinta as cores todas de medo
o abandono não lateja, mas, deixa carcomido o peito. esburaca o tórax
o abandono não cura com o tempo, ele leva malas
criança abandonada é coisa mais triste que existe no mundo
engolir pedras de gelo em números ímpares
cerrar o osso com faca de sobremesa
botar fogo em algodão
arrancar fios de cabelo e colá-los em uma boneca que teve leucemia
doar líquido da coluna vertebral porque já não se tem sangue e continuar respirando sem ver, porque o mundo virou um balão de oxigênio artificial
cachorros abandonados vivem em sarjetas
e passam fome sob a lua cheia
mas, a primeira coisa que abandonamos é o lugar mais gostoso do mundo
: o útero de uma mulher
o filho sempre abandona, precisa abandonar
não desista abruptamente
não esfole o sentimento alheio
não use lanças contra nuvens
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molhem o orquídea...