edvan, aconteceram tantas coisas tenebrosas por aqui. a luz do poste em frente de casa queimou junto com meu coração. eu e um pedaço da rua ficamos no escuro. e o mar da bahia virou chuva por sete meses. quatro crianças do bairro desapareceram e voltaram depois de quatro dias, envelhecidas.
você sabe de inaugurações madrugais? tem acontecido muito por aqui, em meu peito.
e isso tudo me deu uma coisa tão infinita, que parece que minhas mãos não vão terminar nunca de tocar o mundo e os panos e o pó das peles e os cenários e todos os meus poemas.
edvan, você disse na outra carta que não estava apaixonado, apenas cansado. queria estar cansada e desistir por um minuto. bastaria um minuto e tudo estaria salvo. mas, meu motor não precisa de combustível. ser um motor é o combustível do motor. entende? é uma perdição ensolarada.
sua irmã operou das hemorroidas querido? espero que sim. uma mulher sem cu não é uma mulher inteira, num mundo de bucetas cristianizadas e benzidas.
ah! edvan, você diz que não consegue conversar comigo rotineiramente e que precisa de um prazo de doze dias para abrir as cartas que lhe envio. não se sinta incomodado com isso. entendo. os caminhos dos afetos são tão arbóreos!! as folhas precisam ficar verdes, madurar ao vento, secar e depois desaparecer na terra. é só uma questão de elaboração da sombra. da sombra que as folhas proporcionam a quem está andando sob o sol a pino do meio dia.
conheci uma pessoa muito especial, edvan!! é um menino! tem 9 anos de idade. (lembra que te ensinei que a primeira idade das pessoas é a soma dos dois algarismos da data oficial e que a idade oficial é só pra gente poder tirar carta, ter carteira de trabalho assinada e mais uma porrada de encheção de saco. lembra disso? ) pois então, é um menino do sertão. com olhos grandes. comprido coma a lua sertaneja. e eu, no auge dos meus cinco anos, não sei direito o que meninos de nove anos gostam de brincar. eles são um pouco chatos, perguntam sobre tudo, colecionam coisas esquisitas, já são alfabetizados e podem ficar na rua até mais tarde. mas, mesmo assim, acho que ele gosta de andar de bicicleta comigo. apesar de andar muito pior do que eu, que sou menor.
meu querido amigo, você conseguiu ajeitar suas coisas? guardou as roupas nas gavetas? queimou as anotações inúteis? comprou aquele disco do chico, que tanto desejava? a gente se vê um pouco quando olha para as coisas que são nossas.
uma notícia ótima para encerrar: estou aprendendo tocar violão e a me tocar diferente, por conta disso.
parece que sou uma guitarra fazendo música com violão.
tenho um livro de poemas para você. envio por correio?
mande notícias sobre sua alma, diz a minha.
muito do coração, elaine
ps - não poderia lhe pedir mais nada. você, sem querer, deu-me a minha música. obrigado.
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