28/08/2014

{{: o padre e a moça - carlos drummond de andrade

A moça mostrava a coxa 

A moça mostrava a coxa, 
a moça mostrava a nádega, 
só não mostrava aquilo 
– concha, berilo, esmeralda – 
que se entreabre, quatrifólio, 
e encerrra o gozo mais lauto, 
aquela zona hiperbórea, 
misto de mel e de asfalto, 
porta hermética nos gonzos 
de zonzos sentidos presos, 
ara sem sangue de ofícios, 
a moça não me mostrava. 
E torturando-me, e virgem 
no desvairado recato 
que sucedia de chofre 
á visão dos seios claros, 
qua pulcra rosa preta 
como que se enovelava, 
crespa, intata, inacessível, 
abre-que-fecha-que-foge, 
e a fêmea, rindo, negava 
o que eu tanto lhe pedia, 
o que devia ser dado 
e mais que dado, comido. 
Ai, que a moça me matava 
tornando-me assim a vida 
esperança consumida 
no que, sombrio, faiscava. 
Roçava-lhe a perna. Os dedos 
descobriam-lhe segredos 
lentos, curvos, animais, 
porém o maximo arcano, 
o todo esquivo, noturno, 
a tríplice chave de urna, 
essa a louca sonegava, 
não me daria nem nada. 
Antes nunca me acenasse. 
Viver não tinha propósito, 
andar perdera o sentido, 
o tempo não desatava 
nem vinha a morte render-me 
ao luzir da estrela-d'alva, 
que nessa hora já primeira, 
violento, subia o enjoo 
de fera presa no Zôo. 
Como lhe sabia a pele, 
em seu côncavo e convexo, 
em seu poro, em seu dourado 
pêlo de ventre! mas sexo 
era segredo de Estado. 
Como a carne lhe sabia 
a campo frio, orvalhado, 
onde uma cobra desperta 
vai traçando seu desenho 
num frêmito, lado a lado! 
Mas que perfume teria 
a gruta invisa? que visgo, 
que estreitura, que doçume, 
que linha prístina, pura, 
me chamava, me fugia? 
Tudo a bela me ofertava, 
e que eu beijasse ou mordesse, 
fizesse sangue: fazia. 
Mas seu púbis recusava. 
Na noite acesa, no dia, 
sua coxa se cerrava. 
Na praia, na ventania, 
quando mais eu insistia, 
sua coxa se apertava. 
Na mais erma hospedaria 
fechada por dentro a aldrava, 
sua coxa se selava, 
se encerrava, se salvava, 
e quem disse que eu podia 
fazer dela minha escrava? 
De tanto esperar, porfia 
sem vislumbre de vitória, 
já seu corpo se delia, 
já se empana sua glória, 
já sou diverso daquele 
que por dentro se rasgava, 
e não sei agora ao certo 
se minha sede mais brava 
era nela que pousava. 
Outras fontes, outras fomes, 
outros flancos: vasto mundo, 
e o esquecimento no fundo. 
Talvez que a moça hoje em dia... 
Talvez. O certo é que nunca. 
E se tanto se furtara 
com tais fugas e arabescos 
e tão surda teimosia, 
por que hoje se abriria? 
Por que viria ofertar-me 
quando a noite já vai fria, 
sua nívea rosa preta 
nunca por mim visitada, 
inacessível naveta? 
Ou nem teria naveta... 

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