11/12/2025

diário de bordo

meu pé se emocionou hoje.

fiz exercícios, depois fui dançar em minha barra de pole dance.

troquei os cavalheiros das danças de salão pela barra. ainda sinto falta dos cavalheiros, nada os substitui, mas não é de todo o mal o toque gelado e constância do aço da barra. gosto de coisas que, a menor intenção, ficam vivas às 2h00 da manhã ou em uma quarta qualquer. 

estava dançando. eu queria falar tão bonito que eu estava dançando. o que é dançar. esticas as artérias, virar de ponta de cabeça. torcer as articulações e o sentido do dia. tentar mover os pés mais rápido, dar passos enormes pelo ar, dar passo e acompanhar a rotação da terra. esticar a mão e queimar as pontas dos dedos no sol. estivar a mão e deixar o ar passar pelas costelas. sentir o tempo. dar cambalhotas dentro do tempo, uma cambalhota depois de morrer. 

estava dançando. e pensei em deixar o dedão do pé me levar nos movimentos. pensei que seria algo gradual, aos poucos, o pé tomando seu lugar no mundo, depois de minha permissão. o que aconteceu é que ao primeiro movimento, do meu pé, senti vontade de chorar. ele estava emocionado por experimentar suas asas, queria chorar, tinha olhos, foi pelo ar levando a perna, tão eloquente como um braço, um cisne, um discurso de um pacifista. 

foi um momento comovente, senti vergonha diante da desenvoltura do meu pé independente, que queria desenhar arabescos pelo ar e tocar a terra com cuidado como se a pudesse queimar. 

....................................................................

estou organizando um projeto de trocas de cartas entre homens, que missão estranha. me sinto observando um mundo desconhecido pelo buraco da fechadura, porque ninguém tem a chave da porta, nem eles. 

você diz: boa noite rapazes? olá queridos? meninos, como estão? gatos, e ai?

uma tênue barreira linguística nos separa, nos desajeita. há um paralelo em inglês, francês, iorubá para: bom dia! mas, não há um paralelo, não tão claro, acessível, como pode aparentar, para um bom dia entre homens e mulheres que se desconhecem. 

....................................................................

dia 08/12 foi aniversário do rodrigo. 49 anos. fiquei pensando, na verdade torcendo, na verdade verdadeira acreditando que ele comemorou com um mágico, bolo colorido e fogos de artifício. que passa a maior parte do tempo rindo. que tem uma gata e um cachorro pequeno que são amigos. que no próximo final de semana vai sair feliz da vida, de mãos dadas com alguém e com o mundo. 

10/12/2025

 meu coração está descarrilhando

um peso enorme desce a angústia íngreme
depois das neblinas mais neblinas
e a queda nunca chega ao fim

ouço as vozes passando rapidamente por minha cabeça
vozes verdes, correndo na paisagem

estou indo para um horizonte sem paz
horizonte abalado por ondas e terremotos tristes 
horizonte trêmulo, sem linha que o conforte

pessoas soterradas pelo arco íris


jaquelien passou mal
verteu todos os poetas tristes de são paulo entre as pernas ensanguentadas
sintonizou no programa de rádio do pará: depois da chuva
canções do século passado, partes de sua infância
tomou dipirona e choro
adormecida, sonhou com a casa que tinha a noite dentro 

lourenço
achou uma árvore que dava lenços em vez de mangas
lenços brancos
de longe, os galhos da árvore pareciam braços 
acenando despedidas
para fernando

marinês 
subiu na mesa e ficou com vontade de tirar a calcinha
mas estava na casa da patroa
simplesmente ligou a máquina de lavar roupa
e ficou olhando se a porcelana ficaria mesmo 
muito branca

glauber esqueceu de ligar a câmera
não filmou a cara do bolsonaro tomando milk shake de morango
com petolinhas de sangue

todos torcem para que jasmim se recupere
de seu satanismo crônico cor de mel

silvia colocou algodões em suas garras
agora arranha 
a ternura dos dias
com discrição

todos os chicos estão deitados
sob a luz da lua
não se importam com o frio
são fortes
como as placas de gelo da antártida

alexandre abriu um pôr-do-sol
com os dentes

as mãos do tempo
enrolaram os cachos de marluce nos arames do minuto
é bonito o penteado
mas dói

duas adagas 
atacaram a jugular do bons modos
elas saíram das tatuagens de vanessa
e estão sendo procuradas por
homemcídio. 

reivane viu em dezembro 
uma revoada de cisnes azuis
tentou contar para os outros
mãe, pai, amigos da igreja
a revoada entrou por seus olhos, fez ninho em seu coração
a revoada canta músicas de redenção em sua alma
mas, ninguém acredita nela
dizem que pode ser o espírito santo
que ela confundiu com uma pomba

miguel pediu ao motorista do ônibus
que 
por gentileza
parasse em frente ao muro mágico com a inscrição:
"só para loucos"

michele,
ontem
pintou o mar
ondas calmas e infinitas
o mar começou a invadir sua sala
sua casa depois o quintal
michele precisou pintar um pequena bóia para se salvar
mergulhou fundo
buscou seus livros, o marido, a filha
todos ensopados 
pingando amor azul

vicentina acordou disposta
tomou café, comeu pão
e começou a xingar jeová
devido a antiga intimidade 

carolina quer ser um doce meloso
desses que escorrem pela boca
passam pela pele fina do pescoço 
e chegam aos mamilos
arrepiando-os 
com 
a devassidão do açúcar

rafa passou a noite colhendo as estrelas que não conseguiram brilhar
com delicadeza e calma
esticou sua ternura 
e colheu estrelas inteiras e as que estavam pela metade
as despedaçadas e as que choravam

os gêmeos escolheram cores diferentes para a esperança
isso foi uma novidade
miguel escolheu o verde
rafael escolher as folhas

tarik, tarik...
depois de um ano ficamos sabendo
fugiu com uma branca de neve
de palmas, no tocantis

joana desejou um tango, uma valsa, uma lambada que fosse
mas teve que ir para roça ainda criança
toda sua dança foi roubada 
pelos canaviais  
ao vento 

adelaide perdeu a virgindade em 10/12/2025
aos 36 anos de idade
rimbaud ressucitou só para deflorá-la

safiri começou conseguiu emprego com uma bruxa bem conceituada
agora tem carteira assinada e férias remuneradas
trabalha em uma loja de feitiços 
é uma boa vendedora de remédios obscuros 

raíssa desabotoou as pétalas de seus medos
sem machucar as frágeis flores do pânico
abriu com as pontas dos dedos 
rosas desesperadas
o perfume doce da angústia se dissipou
e ela resolveu fazer daquela imagem espantosa
uma estampa para sua saia

lidiane tomou umas vodkas a mais e disse verdades inconvenientes a elisete
disse que a amava, que gostava quando ela sorria
no outro dia, agiu como se nada tivesse acontecido
lesbianismo alcoólico 

augusto acabou de fazer um 
pão
e um 
poema
e uma 
música
e um
fogo fátuo. 

túlio se apaixonou por uma bela baleia 
está no fundo do fundo
aprendendo a cantar como ela
enquanto se afoga 
crescem escamas douradas em sua bondade

Joseph William Turner

25/10/2025

 a liberdade é uma bolinha dentro de mim

bola e rebola

para lá e para cá

desce do coração para os pés

atravessa minhas costelas

sobe do pulmão para os dentes


minha liberdade enche as nuvens de desenho

come macarrão com as mãos

arrasta a barriga na terra e suja minha calcinha de barro


a liberdade só dá conselhos que servem para mesma

conselhos que aprendeu com os gatos


olhando bem, a liberdade é mais parecida com preguiça 

do que com a motivação

a liberdade fica deitada a tarde

ou quando o sol está muito quente

depois vai ver a lua nascer


gosta de passear a dona liberdade

pelas folhas, pelas flores, pelas ruas

prefere ir a pé

do que de avião


a liberdade é um sentimento que dá quase para cortar com a faca

recortar com tesoura

mas não dá pra tatuar


os instrumentos musicais gostam muito da liberdade

os temperos

as cores também


a minha liberdade 

é uma velha

safada

16/10/2025

 


samba pra língua

 zambrólha zim zim

capotolenga lenguice

ain ma, ain me, ain u

zibidins zibilu

arrenca quebra

arrenca doça

trambelha 

paratins na fia

fique paradins

lamba o ar com a pele

 meninas 

enfiem os dedos nas tangerias sonhadoras

arranque as sementes com os dentes caninos 

gomo a gomo doçura a doçura mel a mel


  jesus apareceu pelado para mim

em sonho

carregava uma cesta de frutas e flores

aguava os suores das maçãs com toda uma ternura

andava com a bunda de fora 

entre nuvens e relâmpagos

não consegui definir se era pra sentir medo

ou êxtase

jesus parecia muito com um pedreiro que concertou o telhado da minha casa

quando eu era pequena

parecia ter mais de 33 anos 

sua barba brilhava com o pó da madeira 

pela feição de jesus

pensei que ele gostaria de escutar uma música

sugeri luis capucho


sem dor nem dó

os raios de sol

fazem o parto da manhã 

a despeito de qualquer guerra assassinato amazônia incinerada estupro fome

a rebentação das horas 

lava o céu com a glória e os matizes delicados do universo que recomeça

formigas escovam os dentes seres humanos vão ao trabalho

baratas adormecem homens abrem seus laptops

prostitutas ajeitam seus lençóis limpos donas de casa esticam suas mangueiras

crianças sonolentas coloquem uniformes bêbados adormecem sob as marquises

sem dor nem dó

cachorros espreguiçam-se conforme podem em suas coleiras

gatos lambem as patas diante do blindex

e toda luz matinal, pura como a esperança genuína

adentra nos olhos do que enxergam e dos que não enxergam

sem dor nem dó

as nuvens vão sendo trespassadas por mais um dia

iluminadas por dentro para que possam gerar tempestades inundações encher bueiros imundos

sem dor nem dó

o asfalto começa a se aquecer, lentamente

sem dor nem dó 

os matinhos esticam suas pontas

numa dança ereta que baila com a brisa do novo dia

sem dor nem dó 

os doentes quem vai se suicidar as mulheres que vão parir as vacas que vão parir os homens que vão abandonar os bebês os corruptos e os padres na primeira missa

todos

ganham este novo dia. 

 .......................................................................................................................................................................

escreverei como que para ninguém

um alguém passou na esquina e esquivou-se da chateação de trombar uma poeta às 7h47

quer tomar um café, só não quer chegar atrasado para marcar o ponto

.......................................................................................................................................................................


perdi a senha do blog, anos para conseguir de volta

estamos aqui, novamente

ou

eu estou

pouco importa se este território é apenas uma ruína

letras, versos, neblina no brejo da desimportância  

mas, eu gosto tanto de brejos

ainda aquele sol a pino, raios eretos, tocando matos e barros e carrapichos

é outubro

os flamboyants suspendendo o calor do sangue em suas flores












25/06/2020

didática da ventania e uma pau duro

um pau
sempre me traz furacões e tempestades
a cada socada uma lufada de vento pra dentro de mim
muitas vezes a melhor parte da trepada vem depois
fico quieta, de olhos fechados, sentindo chegar o júbilo de alguma brisa, redemoinhos de sangue, 
ventania dourada
que sobem da minha buceta para meus intestinos
sinto o ar correr entre os espacinhos das minhas vísceras
e minha bexiga reluz o xixi - faz pôr do sol líquido

minhas tetas
uma e outra
murcham um pouco
ficam constrangidas com o tamanho do universo que de repente lhes toca

e meu cu relaxa profundamente
e então posso existir 
ampla
vaga
dissolvida dentro da minha pele

03/06/2020

{{: antecipação, tv uti

oi, tem alguém por aqui ainda?
estou falando direto do futuro. estou em 2020. queria dar notícias.
alguém interessado?
ninguém?
vai acontecer uma pandemia.
vai acontecer um governo que vai matar as pessoas.
seja lá o que vocês estiverem fazendo, parem agora.
infelizmente, não dará certo.
a pandemia matará muitas velhas e velhos.
e será aterrador, porque ninguém se importará na verdade.
vocês, de alguma forma, estão escrevendo um diário que deve estar bastante escondido. ele é um  atestado de morte de milhares de pessoas. talvez, os diários estejam codificados em notas fiscais, contracheques, matérias sobre celebridades, horóscopos. é preciso decifrar isso.
vocês elegerão um platelminto assassino, que come cérebros mofados.
alguém por aqui ainda?
eu fico com medo de estar falando com zumbis.
eu mesma não sei mais definir o que sou. agora nós temos que usar focinheiras e desinfetar nossa existência. nos tornamos plantas em apartamentos regadas a álcool em gel. 
mas, preciso dizer: ninguém está medo. apesar da morte generalizada ninguém está com medo.
nos tornamos humanóides, enfim.
agora compramos tv para assistir notícias sobre quem saiu de casa para comprar tv e morreu com o pulmão lesionado. um tiro da falta de ar.
o sol continua brilhando todos os dias. mas, agora, é um pouco estranho observar toda essa imensidão de luz banhando a possibilidade de nossa extinção, como se nada estivesse acontecendo. como se fosse uma manhã ingênua, de 1980.







{{: dora e a cadeira de balanço - uma história para gente grande

era uma vez uma panelinha de barro. ela se chamava dora. morava no país das panelas de pressão, das colheres elegantes de prata para sobremesa e dos guardanapos brancos.
no reino encantado dos utensílios, todos tinham suas maravilhosas funções:
panela de pressão: pressionar e amolecer.
colheres de prata: serem mais bonitas e finas que as colheres de alumínio.
guardanapo branco: coletar os restinhos da satisfação.
num dia de fevereiro...nada aconteceu. dora passou o dia fervendo açúcar, fazendo melado.
num dia de agosto...nada aconteceu...dora aqueceu o feijão.
num dia setembro, uma coisinha aconteceu. 
dora trincou! acordou de manhã, olhou para seu corpo miúdo e viu que tinha uma rachadura no peito.
desconfiou que algo esquisito acontecera. pensou:
- tô junta mais to partida?
foi até a panela de pressão.
- bom dia dona Toda Toda! (Toda era o nome da panela de pressão, e seu sobrenome era Toda também). dona Toda Toda era uma senhora elegante, sensata, que, através da pressão, conseguia amolecer tudo o que via pela frente. 
- bom dia dorinha pssssssssss! como vai ziummmmmmm querida TZZZZZZZZZZchuuuuu? 
- ai...olha isso. e dora mostrou a rachadura no peito para a dona Toda Toda.
- dorinha - ziiiiiiiiiummmmmmmmmm, o que é issoooo sssoooo sooooooo?
- eu não sei dona Toda Toda...  respondeu curiosa e ficou olhando dona Toda Toda, pressionar e amolecer...ela fazia muito bem aquilo, admirável. 
as duas tiveram uma conversa rápida, porque dona Toda Toda era competente e ágil, onde dona Toda Toda chegou a seguinte conclusão: dora havia sido amolecida, depois de tanto ferver as coisas devagarzinho. uma coisa estranha, mas, que era possível com quem ficava com a quentura dentro por muito tempo. 
isso era uma coisa ruim? 
- não!!! pensaram as duas. era uma coisa que se passava com quem não pressionava e fervia as coisas rapidamente.
mais tarde, a hora que dora foi para a mesa, saiu dela e escorreu por todo canto, aos poucos, todo doce de leite que ela fervera. 
o guardapado foi ensopado pelo doce de leite e disse:
- dorinha, que delícia de quentinho!!! e, se fartou de satisfação. estava lambuzado de doçura e morninho...melecado de delícia. depois o guardanapo teve que tomar um banho muito longo, como nunca havia tomado, porque nunca tinha se sujado tanto e deixou de ser branco, não tinha mais cor, estava iluminado!!!
chegaram as colheres de alumínio, que eram mais feinhas, de fato, do que as colheres de prata. e dada sua feiura, só elas podiam pegar aquele doce derramado em tudo e em todos. as colheres de prata ficaram guardadas, para momentos mais contidos e elegantes.
as colheres de alumínio tintilharam soltas na lambreca.
dora, estupefata com todo aquela agitação, coisas novas se passando, sentimentos diferentes, não conseguia entender aquilo tudo, e, principalmente, aquela estranha sensação em seu peito.
ela não sabia o que estava acontecendo com ela.
ela não tinha a quem recorrer. era o país dos utensílios. as coisas eram usáveis como elas eram. não havia concerto. e dora, estava de peito partido, sem saber bem o porquê, e isso a fazia com que ela jorrasse pra fora tudo o que colocava dentro de si. 
conversando com seu Mesudo, que continha a grande sabedoria das antigas mesas de madeira, ele lhe relatou que já havia visto muitos casos como aquele: panelas sem tampa, colheres sem cabo, guarnapados esburacados e que não era pra ela estranhar...que a mudança dos utensílios traziam outros usos e sensações.
ninguém ali viu um defeito.
ninguém ali disse que dorinha estar com o peito partido fosse um problema.
talvez porque ninguém ali, apesar de todos serem muito diferentes e terem funções muito específicas entre si, esperava do outro mais do que a condição do outro, enquanto um simples utensílio, pudesse dar.
dora seguiu jorrando-se. com o tempo, seu peito partido, transformou-se em motivo constante de festa para todos, já que ela não podia conter o quente que trazia dentro.
depois de muito tempo, chegou ao reino encantado dos utensílios, uma velha cadeira gasta, lascada, que só tinha de três pés. logo dora reconheceu o segredo das coisas transformadas e cumprimentou com ternura a nova integrante:
- bom dia, dona senhora cadeira de balanço!!!  
as duas riram, inocentadas por ser aquilo que eram.
essa é a história da doçura derramada pelas frestas, daquilo que se passa com todas as frágeis panelinhas de barro que todos deveríamos ter em nossas cozinhas afetivas, e das cadeiras, que perderam um pé, que todos nós levamos no coração...