25/10/2025

 a liberdade é uma bolinha dentro de mim

bola e rebola

para lá e para cá

desce do coração para os pés

atravessa minhas costelas

sobe do pulmão para os dentes


minha liberdade enche as nuvens de desenho

come macarrão com as mãos

arrasta a barriga na terra e suja minha calcinha de barro


a liberdade só dá conselhos que servem para mesma

conselhos que aprendeu com os gatos


olhando bem, a liberdade é mais parecida com preguiça 

do que com a motivação

a liberdade fica deitada a tarde

ou quando o sol está muito quente

depois vai ver a lua nascer


gosta de passear a dona liberdade

pelas folhas, pelas flores, pelas ruas

prefere ir a pé

do que de avião


a liberdade é um sentimento que dá quase para cortar com a faca

recortar com tesoura

mas não dá pra tatuar


os instrumentos musicais gostam muito da liberdade

os temperos

as cores também


a minha liberdade 

é uma velha

safada

16/10/2025

 


samba pra língua

 zambrólha zim zim

capotolenga lenguice

ain ma, ain me, ain u

zibidins zibilu

arrenca quebra

arrenca doça

trambelha 

paratins na fia

fique paradins

lamba o ar com a pele

 meninas 

enfiem os dedos nas tangerias sonhadoras

arranque as sementes com os dentes caninos 

gomo a gomo doçura a doçura mel a mel


  jesus apareceu pelado para mim

em sonho

carregava uma cesta de frutas e flores

aguava os suores das maçãs com toda uma ternura

andava com a bunda de fora 

entre nuvens e relâmpagos

não consegui definir se era pra sentir medo

ou êxtase

jesus parecia muito com um pedreiro que concertou o telhado da minha casa

quando eu era pequena

parecia ter mais de 33 anos 

sua barba brilhava com o pó da madeira 

pela feição de jesus

pensei que ele gostaria de escutar uma música

sugeri luis capucho


sem dor nem dó

os raios de sol

fazem o parto da manhã 

a despeito de qualquer guerra assassinato amazônia incinerada estupro fome

a rebentação das horas 

lava o céu com a glória e os matizes delicados do universo que recomeça

formigas escovam os dentes seres humanos vão ao trabalho

baratas adormecem homens abrem seus laptops

prostitutas ajeitam seus lençóis limpos donas de casa esticam suas mangueiras

crianças sonolentas coloquem uniformes bêbados adormecem sob as marquises

sem dor nem dó

cachorros espreguiçam-se conforme podem em suas coleiras

gatos lambem as patas diante do blindex

e toda luz matinal, pura como a esperança genuína

adentra nos olhos do que enxergam e dos que não enxergam

sem dor nem dó

as nuvens vão sendo trespassadas por mais um dia

iluminadas por dentro para que possam gerar tempestades inundações encher bueiros imundos

sem dor nem dó

o asfalto começa a se aquecer, lentamente

sem dor nem dó 

os matinhos esticam suas pontas

numa dança ereta que baila com a brisa do novo dia

sem dor nem dó 

os doentes quem vai se suicidar as mulheres que vão parir as vacas que vão parir os homens que vão abandonar os bebês os corruptos e os padres na primeira missa

todos

ganham este novo dia. 

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escreverei como que para ninguém

um alguém passou na esquina e esquivou-se da chateação de trombar uma poeta às 7h47

quer tomar um café, só não quer chegar atrasado para marcar o ponto

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perdi a senha do blog, anos para conseguir de volta

estamos aqui, novamente

ou

eu estou

pouco importa se este território é apenas uma ruína

letras, versos, neblina no brejo da desimportância  

mas, eu gosto tanto de brejos

ainda aquele sol a pino, raios eretos, tocando matos e barros e carrapichos

é outubro

os flamboyants suspendendo o calor do sangue em suas flores












25/06/2020

didática da ventania e uma pau duro

um pau
sempre me traz furacões e tempestades
a cada socada uma lufada de vento pra dentro de mim
muitas vezes a melhor parte da trepada vem depois
fico quieta, de olhos fechados, sentindo chegar o júbilo de alguma brisa, redemoinhos de sangue, 
ventania dourada
que sobem da minha buceta para meus intestinos
sinto o ar correr entre os espacinhos das minhas vísceras
e minha bexiga reluz o xixi - faz pôr do sol líquido

minhas tetas
uma e outra
murcham um pouco
ficam constrangidas com o tamanho do universo que de repente lhes toca

e meu cu relaxa profundamente
e então posso existir 
ampla
vaga
dissolvida dentro da minha pele

03/06/2020

{{: antecipação, tv uti

oi, tem alguém por aqui ainda?
estou falando direto do futuro. estou em 2020. queria dar notícias.
alguém interessado?
ninguém?
vai acontecer uma pandemia.
vai acontecer um governo que vai matar as pessoas.
seja lá o que vocês estiverem fazendo, parem agora.
infelizmente, não dará certo.
a pandemia matará muitas velhas e velhos.
e será aterrador, porque ninguém se importará na verdade.
vocês, de alguma forma, estão escrevendo um diário que deve estar bastante escondido. ele é um  atestado de morte de milhares de pessoas. talvez, os diários estejam codificados em notas fiscais, contracheques, matérias sobre celebridades, horóscopos. é preciso decifrar isso.
vocês elegerão um platelminto assassino, que come cérebros mofados.
alguém por aqui ainda?
eu fico com medo de estar falando com zumbis.
eu mesma não sei mais definir o que sou. agora nós temos que usar focinheiras e desinfetar nossa existência. nos tornamos plantas em apartamentos regadas a álcool em gel. 
mas, preciso dizer: ninguém está medo. apesar da morte generalizada ninguém está com medo.
nos tornamos humanóides, enfim.
agora compramos tv para assistir notícias sobre quem saiu de casa para comprar tv e morreu com o pulmão lesionado. um tiro da falta de ar.
o sol continua brilhando todos os dias. mas, agora, é um pouco estranho observar toda essa imensidão de luz banhando a possibilidade de nossa extinção, como se nada estivesse acontecendo. como se fosse uma manhã ingênua, de 1980.







{{: dora e a cadeira de balanço - uma história para gente grande

era uma vez uma panelinha de barro. ela se chamava dora. morava no país das panelas de pressão, das colheres elegantes de prata para sobremesa e dos guardanapos brancos.
no reino encantado dos utensílios, todos tinham suas maravilhosas funções:
panela de pressão: pressionar e amolecer.
colheres de prata: serem mais bonitas e finas que as colheres de alumínio.
guardanapo branco: coletar os restinhos da satisfação.
num dia de fevereiro...nada aconteceu. dora passou o dia fervendo açúcar, fazendo melado.
num dia de agosto...nada aconteceu...dora aqueceu o feijão.
num dia setembro, uma coisinha aconteceu. 
dora trincou! acordou de manhã, olhou para seu corpo miúdo e viu que tinha uma rachadura no peito.
desconfiou que algo esquisito acontecera. pensou:
- tô junta mais to partida?
foi até a panela de pressão.
- bom dia dona Toda Toda! (Toda era o nome da panela de pressão, e seu sobrenome era Toda também). dona Toda Toda era uma senhora elegante, sensata, que, através da pressão, conseguia amolecer tudo o que via pela frente. 
- bom dia dorinha pssssssssss! como vai ziummmmmmm querida TZZZZZZZZZZchuuuuu? 
- ai...olha isso. e dora mostrou a rachadura no peito para a dona Toda Toda.
- dorinha - ziiiiiiiiiummmmmmmmmm, o que é issoooo sssoooo sooooooo?
- eu não sei dona Toda Toda...  respondeu curiosa e ficou olhando dona Toda Toda, pressionar e amolecer...ela fazia muito bem aquilo, admirável. 
as duas tiveram uma conversa rápida, porque dona Toda Toda era competente e ágil, onde dona Toda Toda chegou a seguinte conclusão: dora havia sido amolecida, depois de tanto ferver as coisas devagarzinho. uma coisa estranha, mas, que era possível com quem ficava com a quentura dentro por muito tempo. 
isso era uma coisa ruim? 
- não!!! pensaram as duas. era uma coisa que se passava com quem não pressionava e fervia as coisas rapidamente.
mais tarde, a hora que dora foi para a mesa, saiu dela e escorreu por todo canto, aos poucos, todo doce de leite que ela fervera. 
o guardapado foi ensopado pelo doce de leite e disse:
- dorinha, que delícia de quentinho!!! e, se fartou de satisfação. estava lambuzado de doçura e morninho...melecado de delícia. depois o guardanapo teve que tomar um banho muito longo, como nunca havia tomado, porque nunca tinha se sujado tanto e deixou de ser branco, não tinha mais cor, estava iluminado!!!
chegaram as colheres de alumínio, que eram mais feinhas, de fato, do que as colheres de prata. e dada sua feiura, só elas podiam pegar aquele doce derramado em tudo e em todos. as colheres de prata ficaram guardadas, para momentos mais contidos e elegantes.
as colheres de alumínio tintilharam soltas na lambreca.
dora, estupefata com todo aquela agitação, coisas novas se passando, sentimentos diferentes, não conseguia entender aquilo tudo, e, principalmente, aquela estranha sensação em seu peito.
ela não sabia o que estava acontecendo com ela.
ela não tinha a quem recorrer. era o país dos utensílios. as coisas eram usáveis como elas eram. não havia concerto. e dora, estava de peito partido, sem saber bem o porquê, e isso a fazia com que ela jorrasse pra fora tudo o que colocava dentro de si. 
conversando com seu Mesudo, que continha a grande sabedoria das antigas mesas de madeira, ele lhe relatou que já havia visto muitos casos como aquele: panelas sem tampa, colheres sem cabo, guarnapados esburacados e que não era pra ela estranhar...que a mudança dos utensílios traziam outros usos e sensações.
ninguém ali viu um defeito.
ninguém ali disse que dorinha estar com o peito partido fosse um problema.
talvez porque ninguém ali, apesar de todos serem muito diferentes e terem funções muito específicas entre si, esperava do outro mais do que a condição do outro, enquanto um simples utensílio, pudesse dar.
dora seguiu jorrando-se. com o tempo, seu peito partido, transformou-se em motivo constante de festa para todos, já que ela não podia conter o quente que trazia dentro.
depois de muito tempo, chegou ao reino encantado dos utensílios, uma velha cadeira gasta, lascada, que só tinha de três pés. logo dora reconheceu o segredo das coisas transformadas e cumprimentou com ternura a nova integrante:
- bom dia, dona senhora cadeira de balanço!!!  
as duas riram, inocentadas por ser aquilo que eram.
essa é a história da doçura derramada pelas frestas, daquilo que se passa com todas as frágeis panelinhas de barro que todos deveríamos ter em nossas cozinhas afetivas, e das cadeiras, que perderam um pé, que todos nós levamos no coração...





01/11/2017

{{: invasão

levanto pela manhã e sou arrastada pela poesia até as letras
passo o café, com um monte sílabas, barulhos, pontos de interrogações mudos...atrás de mim e me olhando, impacientes
- posso tomar um café, caralho?
sento irritada na frente do papel e do computador e espero a coisa me coisar
ocorre uma violação do dia
dentro de mim abre-se o mundo particular esquisito e pertubador
saem de dentro das gavetas do quarto lagartos de renda
a geladeira abre-se: um icerberg de gliter vermelho no meio do ártico
o fogão acende um luar às oito da manhã
meus sapatos se misturam e brotam caminhos
as cadeiras começam a conversar sobre o pó de minha pele sobre elas
penso: mas gente...como faço com essa loucura toda?
o rádio liga e começa a tocar o barulho das abelhas trepando, escuto complacente a primavera 
digo amém e rezo uma ave elaine



{{: ternura triste

 muralha de pó azul
, inseto endouradado pela luz do vitral, sepultado dentro da igreja trancada
, acordar pela manhã e ter mais um dia pra encher de flores secas e frutas cristalizadas
colhidas nos potes de minha casa quieta

{{: amor

o sol chegando próximo ao peito
o peito apertado pelo ensolarado
o amor é um astro angustiante