25/06/2020

didática da ventania e uma pau duro

um pau
sempre me traz furacões e tempestades
a cada socada uma lufada de vento pra dentro de mim
muitas vezes a melhor parte da trepada vem depois
fico quieta, de olhos fechados, sentindo chegar o júbilo de alguma brisa, redemoinhos de sangue, 
ventania dourada
que sobem da minha buceta para meus intestinos
sinto o ar correr entre os espacinhos das minhas vísceras
e minha bexiga reluz o xixi - faz pôr do sol líquido

minhas tetas
uma e outra
murcham um pouco
ficam constrangidas com o tamanho do universo que de repente lhes toca

e meu cu relaxa profundamente
e então posso existir 
ampla
vaga
dissolvida dentro da minha pele

03/06/2020

{{: antecipação, tv uti

oi, tem alguém por aqui ainda?
estou falando direto do futuro. estou em 2020. queria dar notícias.
alguém interessado?
ninguém?
vai acontecer uma pandemia.
vai acontecer um governo que vai matar as pessoas.
seja lá o que vocês estiverem fazendo, parem agora.
infelizmente, não dará certo.
a pandemia matará muitas velhas e velhos.
e será aterrador, porque ninguém se importará na verdade.
vocês, de alguma forma, estão escrevendo um diário que deve estar bastante escondido. ele é um  atestado de morte de milhares de pessoas. talvez, os diários estejam codificados em notas fiscais, contracheques, matérias sobre celebridades, horóscopos. é preciso decifrar isso.
vocês elegerão um platelminto assassino, que come cérebros mofados.
alguém por aqui ainda?
eu fico com medo de estar falando com zumbis.
eu mesma não sei mais definir o que sou. agora nós temos que usar focinheiras e desinfetar nossa existência. nos tornamos plantas em apartamentos regadas a álcool em gel. 
mas, preciso dizer: ninguém está medo. apesar da morte generalizada ninguém está com medo.
nos tornamos humanóides, enfim.
agora compramos tv para assistir notícias sobre quem saiu de casa para comprar tv e morreu com o pulmão lesionado. um tiro da falta de ar.
o sol continua brilhando todos os dias. mas, agora, é um pouco estranho observar toda essa imensidão de luz banhando a possibilidade de nossa extinção, como se nada estivesse acontecendo. como se fosse uma manhã ingênua, de 1980.







{{: dora e a cadeira de balanço - uma história para gente grande

era uma vez uma panelinha de barro. ela se chamava dora. morava no país das panelas de pressão, das colheres elegantes de prata para sobremesa e dos guardanapos brancos.
no reino encantado dos utensílios, todos tinham suas maravilhosas funções:
panela de pressão: pressionar e amolecer.
colheres de prata: serem mais bonitas e finas que as colheres de alumínio.
guardanapo branco: coletar os restinhos da satisfação.
num dia de fevereiro...nada aconteceu. dora passou o dia fervendo açúcar, fazendo melado.
num dia de agosto...nada aconteceu...dora aqueceu o feijão.
num dia setembro, uma coisinha aconteceu. 
dora trincou! acordou de manhã, olhou para seu corpo miúdo e viu que tinha uma rachadura no peito.
desconfiou que algo esquisito acontecera. pensou:
- tô junta mais to partida?
foi até a panela de pressão.
- bom dia dona Toda Toda! (Toda era o nome da panela de pressão, e seu sobrenome era Toda também). dona Toda Toda era uma senhora elegante, sensata, que, através da pressão, conseguia amolecer tudo o que via pela frente. 
- bom dia dorinha pssssssssss! como vai ziummmmmmm querida TZZZZZZZZZZchuuuuu? 
- ai...olha isso. e dora mostrou a rachadura no peito para a dona Toda Toda.
- dorinha - ziiiiiiiiiummmmmmmmmm, o que é issoooo sssoooo sooooooo?
- eu não sei dona Toda Toda...  respondeu curiosa e ficou olhando dona Toda Toda, pressionar e amolecer...ela fazia muito bem aquilo, admirável. 
as duas tiveram uma conversa rápida, porque dona Toda Toda era competente e ágil, onde dona Toda Toda chegou a seguinte conclusão: dora havia sido amolecida, depois de tanto ferver as coisas devagarzinho. uma coisa estranha, mas, que era possível com quem ficava com a quentura dentro por muito tempo. 
isso era uma coisa ruim? 
- não!!! pensaram as duas. era uma coisa que se passava com quem não pressionava e fervia as coisas rapidamente.
mais tarde, a hora que dora foi para a mesa, saiu dela e escorreu por todo canto, aos poucos, todo doce de leite que ela fervera. 
o guardapado foi ensopado pelo doce de leite e disse:
- dorinha, que delícia de quentinho!!! e, se fartou de satisfação. estava lambuzado de doçura e morninho...melecado de delícia. depois o guardanapo teve que tomar um banho muito longo, como nunca havia tomado, porque nunca tinha se sujado tanto e deixou de ser branco, não tinha mais cor, estava iluminado!!!
chegaram as colheres de alumínio, que eram mais feinhas, de fato, do que as colheres de prata. e dada sua feiura, só elas podiam pegar aquele doce derramado em tudo e em todos. as colheres de prata ficaram guardadas, para momentos mais contidos e elegantes.
as colheres de alumínio tintilharam soltas na lambreca.
dora, estupefata com todo aquela agitação, coisas novas se passando, sentimentos diferentes, não conseguia entender aquilo tudo, e, principalmente, aquela estranha sensação em seu peito.
ela não sabia o que estava acontecendo com ela.
ela não tinha a quem recorrer. era o país dos utensílios. as coisas eram usáveis como elas eram. não havia concerto. e dora, estava de peito partido, sem saber bem o porquê, e isso a fazia com que ela jorrasse pra fora tudo o que colocava dentro de si. 
conversando com seu Mesudo, que continha a grande sabedoria das antigas mesas de madeira, ele lhe relatou que já havia visto muitos casos como aquele: panelas sem tampa, colheres sem cabo, guarnapados esburacados e que não era pra ela estranhar...que a mudança dos utensílios traziam outros usos e sensações.
ninguém ali viu um defeito.
ninguém ali disse que dorinha estar com o peito partido fosse um problema.
talvez porque ninguém ali, apesar de todos serem muito diferentes e terem funções muito específicas entre si, esperava do outro mais do que a condição do outro, enquanto um simples utensílio, pudesse dar.
dora seguiu jorrando-se. com o tempo, seu peito partido, transformou-se em motivo constante de festa para todos, já que ela não podia conter o quente que trazia dentro.
depois de muito tempo, chegou ao reino encantado dos utensílios, uma velha cadeira gasta, lascada, que só tinha de três pés. logo dora reconheceu o segredo das coisas transformadas e cumprimentou com ternura a nova integrante:
- bom dia, dona senhora cadeira de balanço!!!  
as duas riram, inocentadas por ser aquilo que eram.
essa é a história da doçura derramada pelas frestas, daquilo que se passa com todas as frágeis panelinhas de barro que todos deveríamos ter em nossas cozinhas afetivas, e das cadeiras, que perderam um pé, que todos nós levamos no coração...





01/11/2017

{{: invasão

levanto pela manhã e sou arrastada pela poesia até as letras
passo o café, com um monte sílabas, barulhos, pontos de interrogações mudos...atrás de mim e me olhando, impacientes
- posso tomar um café, caralho?
sento irritada na frente do papel e do computador e espero a coisa me coisar
ocorre uma violação do dia
dentro de mim abre-se o mundo particular esquisito e pertubador
saem de dentro das gavetas do quarto lagartos de renda
a geladeira abre-se: um icerberg de gliter vermelho no meio do ártico
o fogão acende um luar às oito da manhã
meus sapatos se misturam e brotam caminhos
as cadeiras começam a conversar sobre o pó de minha pele sobre elas
penso: mas gente...como faço com essa loucura toda?
o rádio liga e começa a tocar o barulho das abelhas trepando, escuto complacente a primavera 
digo amém e rezo uma ave elaine



{{: ternura triste

 muralha de pó azul
, inseto endouradado pela luz do vitral, sepultado dentro da igreja trancada
, acordar pela manhã e ter mais um dia pra encher de flores secas e frutas cristalizadas
colhidas nos potes de minha casa quieta

{{: amor

o sol chegando próximo ao peito
o peito apertado pelo ensolarado
o amor é um astro angustiante 




07/08/2017

{{: equilíbrio sobre os andes

num dia você tem  um pau enfiado na sua guela
no outro tem a imagem distorcida de alguém mandando um: olá
num dia você está escutando o barulho dos talheres batendo no prato, alimentando o silencio da hora farta
no outro você acorda sozinha procurando alguma muleta por perto e...segue
num dia você tem um litro de glicerina pra jogar no meio de uma discussão banal
no outro tem que guardar a glicerina junto com o óleo ou com os alhos, na prateleira
num dia você tem labaredas de pelos vermelhos
no outro um dia longo porque está frio
e todos os beijos não dados que soltarei como feras em uma mata
e todas as pequenas coisas que me transformarão e que seus olhos não vão tocar
e tudo aquilo de muito terrível que aparece nos dias
e toda glória da alegria...que você não verá
a distância faz um resumo emaranhado de 340 caracteres de qualquer longa história, um caroço de sentimentos
a isto tudo decidi chamar de:
amor por você


Resultado de imagem para travessia




03/08/2017

Papel tesoura e cola

Dia de verão na Vista Chinesa. Eu, sozinho,
era um mandarim frio; mas vendo tudo
do alto, tomado pela beleza, achei que
em meu coração a tristeza era mesquinha;
pensar em mim e em você me pareceu avareza,
tendo em vista que nós somos bem menores
vistos do Alto da Boa Vista. Janeiro bicicletas
bem-te-vis entraram pelos meus olhos
abrindo em cheio meu peito; que sombra
demoraria à luz de tantas lanternas?
Mesmo a noite mais profunda logo se incendiara
e, decerto, morreríamos só depois da madrugada.
Era uma tarde chinesa, tarde de mim sem você,
quando vi que nós dois juntos não valíamos
a cena.

Eucanãa Ferraz

01/08/2017

{{: alta cu-stura, robocopgirl

roupas elegantes
feitas para acoplarem-se 
no corpo das mulheres
e
estimularem 
cópulas
com
insetos
que as devastam

[[toda aranha viúva negra
mata vestida de gala
um assassinato por uma trepada

mulheres ornadas
útero com etiqueta
ovário policístico no formato da moda
com fichas, feitos crianças em fila, pros cabeleireiros

vamos às compras? 
na fauna urbana
tem bizorrãos, musquitos, iscopião
pronto pra meter o ferrão 
nas mulheres com suas roupas...acopladas  


26/07/2017


acho que uma pergunta derradeira que toda mulher deveria fazer a um homem, caso tenha vontade de ter um filho com ele, seria: 
- VOCÊ TEM VONTADE DE SER MÃE?
"Alguns doutos em ciências descobriram que quanto maior o intestino, mais místico o indivíduo. E quem mais místico que Deus? 
Grande Intestino, orai por nós."
                                                                                                                  Hilda Hilst